O burro de ouro, de Apuleio

«1. Nestes prados de tenra erva, Psique, recostada sobre um leito de suave relva aspergida pelo orvalho, acabou por repousar docemente, uma vez acalmada a enorme perturbação de espírito. E já vivificada por um sono reparador, levanta-se com o ânimo tranquilo. 2. Avista um bosque repleto de numerosas árvores de alto porte, avista ainda uma fonte de águas cristalinas e transparentes. Mesmo ao meio do bosque, perto do lugar de onde brotava a fonte, havia um palácio real, edificado não por mãos humanas, mas antes por artes divinas. 3. Era bem evidente, logo desde a entrada, que se estava perante a morada esplendorosa e agradável de algum deus. Na verdade, o tecto elevado e cuidadosamente trabalhado em madeira de tuia e em marfim, era sustentado por colunas de ouro; as paredes estavam completamente recobertas de prata cinzelada e brindavam o olhar dos visitantes com imagens de feras e de outros animais selvagens do mesmo tipo. 4. Fora pela certa um homem admirável, ou mesmo um semideus ou até seguramente um deus, o obreiro que, com a subtileza de uma arte magnífica, havia dado a forma de feras a tanta prata. 5. Aliás, até os pavimentos, feitos em mosaicos de minúsculas pedras preciosas talhadas à medida, desenhavam nitidamente pinturas de cores variadas. É sem dúvida muitas e muitas vezes feliz quem tem o privilégio de pisar assim gemas e jóias preciosas! 6. Também os restantes aposentos da mansão, tanto no comprimento como na largura, eram de uma preciosidade incalculável e todos os muros, feitos de blocos de ouro maciços, resplandeciam com um fulgor natural, a ponto de a casa poder ter luz própria, se o sol a não quisesse dar, tal era o brilho dos quartos, das galerias e dos próprios banhos. 7. As restantes riquezas reflectiam, de igual forma, o esplendor da mansão, de maneira que até se julgaria, com acerto, que o grande Júpiter havia mandado edificar este palácio celestial, para conviver com os humanos.»

O burro de ouro, de Apuleio
(trad. Delfim Leão)

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