Max e René. Um monólogo e um cão #2

Ao ritmo semanal publicaremos no blogue da Cotovia a mais recente peça de José Maria Vieira Mendes, Max e René. Um monólogo e um cão.

MAX E RENÉ
Um monólogo e um cão
Partida
(...)
MAX 1 Quem és tu? De onde é que apareceste? Pensei que estava aqui sozinha.
MAX 2 Max, prazer. Trouxe-te um cão para o medo.
MAX 1 Um cão?
MAX 2 Sim, um cão. Um cão tem olhos. E olfato. E não tem esta gramática. Pode reconhecer-nos. Pode ser a minha salvação, quem sabe. Max arranjaram um cão.  
MAX 1 Tu és Max?
MAX 2 Max, prazer. Preciso é que lhe deem um nome.
MAX 1 Desculpa?
MAX 2 Preciso de lhe dar um nome. Como é que ela se vai chamar?
MAX 1 Ela quem?
MAX 2 O cão?
MAX 1 Mas tem de ter um nome?
MAX 2 Claro, então como é que o vão chamar quando se afastar?
MAX 1 Mas eu não a vou chamar.
MAX 2 Não ides chamar? Mas porquê?
MAX 1 Porque os cães não falam.
MAX 2 Não falam mas ouvem. O nome do cão é para a identificares. Para, quando falas com os nossos amigos sobre o vosso cão, dizermos o nome do cão.
MAX 1 Mas não quero falar com os meus amigos sobre o meu cão.
MAX 2 Sabes lá! Sabemos lá se não me vai apetecer.
MAX 1 Mas quem é que és tu?
MAX 2 Max, já disse.
MAX 1 Mas és eu?
MAX 2 Estais a desconversar. Queremos falar do vosso cão.
MAX 1 E se me apetecer, falo do meu cão, mas ela não precisa de ter nome.
MAX 2 Dá-lhe lá um nome, ele vai gostar.
MAX 1 Como é que sabes que vai gostar?
MAX 2 Porque se vai sentir reconhecidas.
MAX 1 Mas quem é que tu és?
MAX 2 Mas o que é que isso interessa?! O que interessa é que nós temos nome, é Max, e o cão não tem nome. Dá-lhe lá um nome. Vai fazer-lhe bem. Não façam aos outros o que não gostas que façam a eu.
MAX 1 Achas?
MAX 2 Tenho a certeza. Vai sentir-se integrado. É um gesto de inclusão e irmandade.
MAX 1 Então prontos, dou-lhe um nome.
MAX 2 Dá-lhe um nome.
MAX 1 Eu dou.
MAX 2 Então dá.
MAX 1 O quê, agora?
MAX 2 Sim, agora, deem-lhe um nome.
MAX 1 Tem de ser já?
MAX 2 Qual é o nome?
MAX 1 Mas tem de ser já?... Sei lá... René!
MAX 2 Boa. E agora abalas.
MAX 1 Abalamos?
MAX 2 Abalamos, sim. Vou-me embora. À procura de mais. Se isto aqui não dá, abala-se.
MAX 1 Max tenho de abalar?
MAX 2 Max tens de se afastar. Encontrar outros pontos de interesse, espairecer, um ano sabático, o que for. Levamos a René convosco e hás de encontrar quem me entenda.
MAX 1 Não está mal pensado, um ano sabático...
MAX 2 Tipo... se aqui não se resolve, não perdeis nada em tentar noutro lugar.
MAX 1 Mas sabes de algum?
MAX 2 Sei.
MAX 1 E depois volto?
MAX 2 Depois voltais, claro. Reconhecida, espera-se. Com existência para dar e vender. Vais ver que sem dilemas gramaticais, confiante e seguro. É preciso acreditar.
MAX 1 E então é para onde?
MAX 2 Sempre em frente, para a selva.
MAX 1 Uau, para a selva...
MAX 2 Para a selva. Encho-me de coragem e partimos, abalas.
MAX 1 Com René não há medo.
MAX 2 Com René não há medo.
MAX 1 Embora, René. Anda, bicho.

(continua...)
 
 

José Maria Vieira Mendes escreve maioritariamente peças de teatro e faz traduções ocasionais. É membro do Teatro Praga desde 2008. As suas peças foram traduzidas em mais de uma dezena de línguas. Para além de edições de peças nos Livrinhos de Teatro Artistas Unidos, publicou Teatro em 2008 (Livros Cotovia), Arroios, Diário de um diário em 2015 (edição Duas páginas) e, em 2016, um ensaio (Uma coisa não é outra coisa) e uma compilação de peças (Uma coisa), ambos pelos Livros Cotovia.

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