Max e René. Um monólogo e um cão #3

Ao ritmo semanal publicaremos no blogue da Cotovia a mais recente peça de José Maria Vieira Mendes, Max e René. Um monólogo e um cão.

MAX E RENÉ
Um monólogo e um cão
Chegada
MAX 1, MAX 2, vestidxs de MAX, procuram um refúgio na selva.
MAX 2 Acho que podeis ficar por aqui.
MAX 1 Isto é o quê?
MAX 2 O quê?
MAX 1 Esta coisa, esta coisa verde.
MAX 2 É uma planta, não sei.
MAX 1 Está bem, mas que planta é que é, qual é o nome?
MAX 2 Não sabemos, é da selva.
MAX 1 Devias saber.
MAX 2 Porquê?
MAX 1 Para saber ao pé de quem é que fico. Para sabermos se é um sítio seguro.
MAX 2 Não vos parece bem aqui?
MAX 1 A ti parece-te bem?
MAX 2 A vós não parece?
MAX 1 A mim não parece nada.
MAX 2 Agora estamos com dúvidas.
MAX 1 Do quê?
MAX 2 De isto ser um bom sítio para ficar.
MAX 1 Mas também não vais ficar aqui para sempre. É só esta noite.
MAX 2 Sabes lá? Não sabemos!
MAX 1 E então? Quereis o quê? Só parar quando encontrarmos o lugar onde queres ficar para sempre? Isso não existe. O lugar onde quero ficar para sempre não existe porque nós não quero ficar para sempre.
MAX 2 Já começamos a falar melhor.
Entra MAX 3 vestidx de MAX.
MAX 3 Quem é que disse que não quereis ficar para sempre?
MAX 1 O que é isto? Quem és tu?
MAX 3 Max, prazer. Quem é que disse que não queremos ficar aqui para sempre?
MAX 2 (apontando MAX 1) Foi elas.
MAX 1 Algum problema?
MAX 3 Mas nós quero ficar para sempre.
MAX 2 E pode ser aqui? É que...
MAX 1 Mas quem é que tu são?
MAX 3 Outra vez? Max, já disse.
MAX 1 Mas Max sou eu!
MAX 3  Eles somos sempre assim?
MAX 2 Acho que a humidade não lhe está a fazer bem.
MAX 1 Mas se ele somos nós, como é que só agora é que apareceu? Era uma parte de mim que desconhecia? Tipo... Vai ajudar-nos a encontrar o rumo? Ou é um impostora?
MAX 2 Não compliqueis. Querem ou não ficar aqui? É que...
MAX 3 Eu por mim tanto nos faz onde é que ficas para sempre. Até porque quem é que garante que isto amanhã ainda aqui está? Quantas vezes os lugares não acabam antes de nós.
MAX 2 Está bem visto. Então fica-se aqui.
MAX 1 Mas isso foi o que nós disse, desde que aqui chegaste!
MAX 2 O que é que se passa contigo? Foram mordido por um lagarto? Andas desconfiada, distante. Assim não se chega a lado nenhum. Enquanto não saírem desse lugar de desconfiança em relação a tudo, não estás abertas para reconhecer quem vos reconhece. Relaxa, abraça a nossa identidade.
MAX 1 Qual identidade? Não tenho identidade. Ninguém nos vê!
MAX 2 Foi por isso que resolvemos largar o conhecido – para encontrares a nossa gramática, o vosso pronome, o nosso, o dela, o dele, o meu, o teu, o seu... Para encontrarem os olhos que vos olham. Mas assim não vou a lado nenhum. Assim não. Tipo... É preciso criar condições para que as coisas aconteçam, para que tu existam.
MAX 3 Vamos lá decidir que estou farta de estar em pé.
MAX 2 Eu tenho que aqui se fica bem. É arejado. Tem sombra.
MAX 1 Mas há sombra em todo o lado!
MAX 3 Parece um lugar sossegado, sem trânsito a passar.
MAX 1 Mas qual trânsito? Estamos na selva!
MAX 3 Elas são sempre assim?
MAX 2 Tem dias. Eu continuamos a achar que ela foi mordida...
MAX 1 O René?
MAX 2 Está aqui ao meu lado.
MAX 3 Quem é o René?
MAX 1 Como é que sabes que está ao nosso lado?
MAX 3 Oi! Quem é a René?
MAX 2 Porque sei.
MAX 1 Mas não o vejo.
MAX 3 Importam-se de me explicar?
MAX 2 Não é preciso ver.
MAX 1 René é o nosso cão.
MAX 3 Tenho um cão? Onde é que ela está?
MAX 2 Aqui. Está aqui ao meu lado.
MAX 1 Não está nada.
MAX 2 Porque é que não está?
MAX 1 Porque sabemos que não está.
MAX 3 Mas que prepotência, são sempre assim?
MAX 2 Também pode ter sido um mosquito.
MAX 3 Não trouxeram repelente? Para aqui convém. Esta humidade para a mosquitada é como açúcar para a formiga.
MAX 1 Mas vão continuar a menorizar as minhas afirmações como se fôssemos um infante sem autonomia? Vão continuar a ignorar-nos com esse paternalismo surdo?!
MAX 3 Então... mas se elas diz que a René está, é porque está.
MAX 1 E porque é que eles vale mais do que nós?!
MAX 3 Porque quem vê tem prioridade sobre quem não vê. Não façam aos outros o que não gostas que façam a eu.
MAX 2 Já não é a primeira vez que dizemos isso.
MAX 1 Então monta a tenda, deem água à René que deve estar com sede e eu vamos à procura de jantar e lenha para o fogo.

(continua...)


 

José Maria Vieira Mendes escreve maioritariamente peças de teatro e faz traduções ocasionais. É membro do Teatro Praga desde 2008. As suas peças foram traduzidas em mais de uma dezena de línguas. Para além de edições de peças nos Livrinhos de Teatro Artistas Unidos, publicou Teatro em 2008 (Livros Cotovia), Arroios, Diário de um diário em 2015 (edição Duas páginas) e, em 2016, um ensaio (Uma coisa não é outra coisa) e uma compilação de peças (Uma coisa), ambos pelos Livros Cotovia.

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