Max e René. Um monólogo e um cão #7

Ao ritmo semanal publicaremos no blogue da Cotovia a mais recente peça de José Maria Vieira Mendes, Max e René. Um monólogo e um cão.
 
MAX E RENÉ
Um monólogo e um cão


Meio

MAX 8 vestido de MAX.

MAX 8 Max multiplica-se. Juntamo-nos e falas a oito, a nove, a vinte vozes. Quanto mais tempo nesta selva, mais são. E quantos mais são, mais enigmáticas somos. Partiram à procura de palavras e gramática, mas só encontro vozes e mais vozes, cada uma para seu lado. René acompanha-te com olhos de cão, doce sempre. É o outro nome, o que não sou eu. Com a cauda diz que somos um monólogo e ela um cão. Fiquei por aqui, foi onde cheguei. Mas isto não é o fim, chama-se meio. A vida de Max tem tudo a que não tem direito e é sempre mais um e mais uma e mais. E nisto será sempre só um porque eu não somos tu. Sois um monólogo. Mono. Nunca a outra coisa. É esse o meu único limite. E agora que temos René já o posso traçar.

 
Festa

Manhã. MAX 6, 7 e 8 acordam vestidos de MAX.

MAX 6 Isto sim é uma manhã. Com gotas da chuva a secar nas grandes folhas da árvore-polvo, o solo sempre húmido, uma serpente a dormir num tronco e os primeiros raios de sol a aquecer o meu olho. Era capazes de viver aqui para sempre.

MAX 7 Para sempre na selva?

MAX 8 Para sempre é muito tempo.

MAX 6 Não sei o que é.

MAX 8 Hoje é o último dia. Amanhã regressamos. Quando voltar, tens uma sopa quente à espera no teu quarto. Agora que sou, que nos veem, está na altura de pôr à prova a conquista.

MAX 7 Eu por acaso gostamos disto aqui.

MAX 8 Mas vamos voltar. Vieste para aqui para regressar. É um lugar de passagem, não é o vosso lugar.

MAX 6 Não sinto falta de nada fora daqui. Tendes mangas, peixe, couves, banana, bagas, água e toda a alimentação. Amor todos os dias. Nomes para tudo. Existência que nunca mais acaba...

MAX 8 Os nomes vão contigo, basta isso. Saí de dentro de mim. Já não és só eu e sentem a cauda da René a bater na minha cara. Agora é preciso dar lugar a outras.

MAX 6 Tendes razão, mas é difícil aceitar que acabou.

MAX 8 Não acabou nada. Vou só para outro lugar.

MAX 7 Estou a ficar melancólicas. Uiva.

MAX 6 uiva.

MAX 8 Parem com isso! Que disparate. Vais mas é festejar.

Entra MAX 1 e 9 vestidos de MAX.

MAX 1 Vamos festejar.
MAX 9 Tiveram a ideia, vou fazer uma festa.
MAX 1 Celebrar o futuro desconhecido, celebrar a diferença intransponível, celebrar a selva.
MAX 9 Celebrar a visibilidade! Somos visíveis! És feliz. Sou tão felizes, tão felizes, tão feliz!
Uma festa. MAX 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8 e 9 celebram.
No final da festa entra MAX 10 de rompante.
MAX 10 A René! O René! A René morreu!!

 
José Maria Vieira Mendes escreve maioritariamente peças de teatro e faz traduções ocasionais.
É membro do Teatro Praga desde 2008. As suas peças foram traduzidas em mais de uma dezena de línguas. Para além de edições de peças nos Livrinhos de Teatro Artistas Unidos, publicou Teatro em 2008 (Livros Cotovia), Arroios, Diário de um diário em 2015 (edição Duas páginas) e, em 2016, um ensaio (Uma coisa não é outra coisa) e uma compilação de peças (Uma coisa), ambos pelos Livros Cotovia.

 

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