Mata-Borrão










Anonas


Em genealogia forçada, coberta de cetim, olhava a pinha que, humílima, mas não reverente, vestia burel ao lado de um avoengo ananás. Uma heráldica desenhada a casulos, reentrâncias, asperezas, favos, grutas, pingos.
Nunca referência de cor como o verde, alface, seco, garrafa ou o rosa, velho, choque ou o amarelo, limão, mostarda, gema ou o azul, breu, turquesa, índigo ou o branco, sujo, cal, marfim ou o castanho, chocolate, avelã.
Na ilhas, nenhuma senhorita do Funchal ou da Horta diria querer comprar um vestido cor de anona e nunca uma anona foi topo de bolo.
No entanto, o mistério aveludado que esconde para além da casca, ela mesma obra de colmeia cuja rainha-mãe despareceu há muito num caderninho do Darwin, é branco pálido, encharcado em açúcar áspero e subtil.
Deve comer-se em varanda sustentável, ó puta de palavra que de tanto ser lida e escutada tropeça na pena. Refiro as varandas rurais, por onde se atiram pevides, cascas e sementes, já que a terra ou o vivo, leia-se gado de bico, leia-se ainda, galinhas, patos, passarada, lhes dá sumiço.
À mesa, com garfo e faca é o circo que chega à cidade. E mesmo com colher, resta o trabalho de língua e dentes, que, posteriormente, a mão em concha esconde a cuspidela, não podendo evitar o plim em cascata da queda das sementes na porcelana. São negras e enceradas, distribuídas a preceito, quase um Dior anos 40.
E comer anonas ajuda a pensar na vida com método, surpresa, perplexidade.

A  nona, a  non  a, ano  na. 


Maria João Forte é Socióloga 

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